segunda-feira, 2 de novembro de 2009

o morto


Gil Vicente, nanquim sobre papel

O morto
tomou destino ignorado:

em que planície nos céus
sibila o seu silêncio?

Com sua armadura desfeita
o que resta é inútil:
não suporta o vento
(que sopra com a chuva)
não será restaurado nos museus
(que espiam a história)
nem se moverá com as lembranças
(que amontoam os retratos).

O morto
tomou destino ignorado.

II
Não tenham medo:
o morto não se levantará
de sua solene posição

deitado como nunca
com seu nariz e seu sapato
             em
              riste. 

III
O morto
      (saibam)
não segue no cortejo:
      segue um morto
      (peso inútil)
      que o limite do nosso olho vê.

IV
O morto independe da vontade
dos que lhe jogam areia e flores
dos que lhe dizem orações e calam
dos que choram e esquecem
-          o morto
                  agora
                            é eterno.

V
Lembramos o tamanho do morto
com suas roupas
com sua voz
com sua dor
e choramos o tamanho que falta
                      a lágrima que salta
                      em nós
até quando aprendermos
a não ser somente vivos.
  
VI
De nada mais sabemos
até que o morto nos mande notícias
e que seu vulto passe ao longe
como passam os viajantes
                               (depois)
                               do entardecer.

VII
Maior é o morto
       na viagem
que ele continua
  
(em que planície nos céus?).


(do livro "Poesia provisória")

4 comentários:

Mariana Botelho disse...

Nirton,

ótimo poema! quisera eu ter tantas palavras...rs

abraço

Nirton Venancio disse...

Mariana, você tem tanta poesia em suas palavras...

Desmanche de Celebridades disse...

Excelente amigo!!!
Esse site é um acervo de poesias brilhantes.
Abraços.

Nirton Venancio disse...

ô,meu caro, obrigado pela leitura, pelo comentário! Um abraço!