quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

afluente

foto Christian Coigny

Na minha terra
há também um rio.
Um rio
que corta minha cidade
que corta minha vida
que corta este poema.

Ele vem
vai
e vem
com suas enchentes
(as enchentes
na cidade
as enchentes
na minha vida
as enchentes
neste poema
- quando não resisto mais

às lembranças,
às represas,
aos mergulhos).


(trecho do livro “Trem da memória - um poema")

sábado, 20 de fevereiro de 2010

bagagem

foto Edward Dimsdale

Dentro de mim
cabe uma cidade
outra cidade
e mais uma cidade
dentro de mim
cabe o universo
e mais o vilarejo onde nasci

meus pés
arrastam lembranças
espalham o cheiro da terra
soltam o corpo no sorriso
todas as veias
do coração
bifurcam na próxima cidade
e levam ao mesmo rio
diante do sol
abrem o meu olhar
horizontando o dia.

(do livro "Poesia provisória")

domingo, 7 de fevereiro de 2010

apartado

foto Jean-Sebastien Monzani

A distância nos dá medo
quando as coisas estão paradas.

É por você estar longe
e não ter previsão alguma do tempo
que o presente continua sobre a mesa.

O mundo parece inútil
nesse pedaço em que não posso tocá-la.
Deve ser impressão desfocada dos olhos
ou sua ausência é uma eternidade em mim e na sala.

Há um telefone, uma porta e meus passos contidos.
Para cada lado o espaço para se medir.
O coração achará em algum canto as chaves e os motivos
para lhe encontrar na volta em vez de partir.

O medo nos distancia
das coisas em movimento.

(do livro "Poesia provisória")

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

anônimo

foto Nicholas Davies

Eu nunca deixo pistas dos meus pecados.
Escondo meus delitos
e deixo a condenação para a volta.
Estou muito apressado.


Eu nunca deixo atalho
para me descobrirem:
prefiro o próximo encontro
com o que encontrar próximo aos meus olhos.

Eu nunca deixo traços dos meus planos.
Deixo o resultado de tantos enganos
como pudesse ser também seu
aquilo que foi somente meu.

Não passo procuração para sentimentos
enquanto viajo para lugar desconhecido.

Este poema pode me custar a vida.
Pode me custar os amigos.
E me gostarem os inimigos.

Mas não deixarei rascunho dos meus reversos.


(do livro “Poesia provisória”)