sábado, 11 de dezembro de 2021

intextualidades


Foi mergulho nas extremidades de sexta-pra-sábado, já era lá pela uma da madrugada. Adormeci por cima dele. Quando acordei, ele estava lá, mas não era o conto breve de Monterroso. Era Nirton Venancio e o seu Poesia provisória.

Um novo livro é desses deslumbramentos sem correspondentes pra mim. E quando a dedicatória fala de um “abraço permanente”, aí a rendição é completa.

O poeta Nirton é imenso em envergadura, abarca as tardes, reconstrói nuvens e seduz em cada verso. “O poeta percebe de forma estranha” e a poeta o percebe como nunca antes, porque ali é tempo de troca: o poema confessional, a confidência, o pacto de confiança.

Aqui, ele aparece brincante e drummondiano: “Vai, Nirton, ser artista da vida”, sendo que o artista nasceu completo e plural, versátil em várias linguagens de fazer-se artista. Pessoa e Tolstói ecoam em “dentro de mim cabem o universo e o vilarejo onde nasci”.

Uma discreta Noémia de Sousa passa por ali:
“Tirem-nos tudo, mas deixem-nos a música...”

Eu que já intertextualizei com ela, dou o ar da minha graça:
levem o que já não me serve
mas deixem-me a poesia
aquela que me ressuscita
do dia em que eu morri

E Nirton:
“Tirem-me até os braços, as pernas
tampem-me os olhos
mas não tirem as asas que criei pra mim”

Que força é essa que une poetas de outros tempos e espaços numa madrugada insone?

“Da janela do oitavo andar vejo as solidões.”
O meu “Vento do 8o. andar” me alerta: Ah, esse poeta tá de brincadeira comigo!

“Descobrindo Manoel” confirma a reverência que eu já tinha visto lá atrás: “para alguma coisa servem as minhas inutilidades.”

Não tem jeito para o meu jeito de ler. Eu leio numa busca obsessiva de referências, intertextualidades que anos de análise lacaniana me dizem que não são coincidências. “Não me procure nesse endereço, meu coração mudou-se. Pouco resta do antigo inquilino. A casa está vazia.”

Pausa para recomposição (...)

“Este poema pode me custar a vida.” Sim, poeta, vale a pena romper padrões, se for pra alcançar a infinitude de um poema. Obrigada pela impermanência da sua poesia nada provisória. É de paradoxos que se fazem poetas.

Íris Cavalcante, poeta

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