foto Mario De Biase, Circo, 1955
Eu podia ver o circo da janela do terceiro andar. Ali defronte, no terreno por onde os cachorros circulavam. Nunca desci nas tardes de sábado e manhãs de domingo para assistir a uma das sessões anunciadas no serviço de som que arranhava os ouvidos. Não porque era um circo pequeno: o que eu gostava mesmo era ver o circo da janela do terceiro andar.
Um dia começaram a desmontar o circo. Foi quando me lembrei que dias antes anunciaram a última semana com atrações imperdíveis. Desmontavam o circo e desfaziam-se também minhas chances de assistir alguma apresentação se eu mudasse de idéia e descesse as escadas rumo à bilheteria. Da janela acompanhei por quase o dia todo o circo se resumindo a uns poucos caminhões velhos amontoados de tábuas, lonas, grades... e pessoas sonâmbulas sob o sol de segunda-feira.
Minhas tardes passaram a ser mais solitárias no retângulo da janela: não me importava o espetáculo, o que depois aconteceria à noite no picadeiro: o que me segurava os olhos era a vida ao redor da lona suspensa. Eram os artistas sem suas roupas de artistas, as pessoas comuns vivendo na temporalidade dos trailers, no improviso dos lares. Eram os animais tornados comuns na pouca extensão das jaulas. O melhor era aquele espetáculo, que me extasiava e incomodava, visto do meu camarote especial da janela do terceiro andar, tão longe e tão perto.
O circo foi embora e o melhor poderia ter sido mesmo partir: viajar sem ter um passado nos álbuns, ou um futuro agendado. Viajar tendo sempre só o presente que dura algumas semanas, poucas vezes uns meses, nunca muitos anos. Viajar na busca eterna do presente.
As estacas não criam raízes no chão da cidade.
As estacas não criam raízes no chão da cidade.
(do livro Outras Prosas)
7 comentários:
Nirton querido, ainda bem que eu pude ver, ainda mais bem ainda que continuo dando alimento a essa alma que clama por alimentos diferentes...
Tô amando seu blog, nunca tinha visitado um, sou lhe grata por mais essa.
Um Cotidiano ...enobreceu o olhar de quem viu.
Parabéns!
Ando meio ausente com a correria, mas sempre passo por aqui..agora deixarei meu comentário..
O texto lá é de um autor desconhecido..
abraços
Adorei a frase..
"Viajar na busca eterna do presente."
Meu presente tá passando agora, e ler seu texto foi uma coisa do meu passado que quero carregar pra sempre na memória.
Fica parecendo até que seu sonho era ser nômade. :)
Há presentinhos pra ti no meu blog. Desculpe o sumiço.
Um minuto atrás é passado, né?
Selma, Dioneide, Di! que maravilha ser visitado por voc�s. Beijos!
Nostalgicamente envolvente...
Vou te adicionar tb lá no meu campo...
valeu, caro Guito. Um abraço!
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