sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

armadura

foto Mário Cravo Neto

Meu corpo é a única coisa que tenho
que é nada
e como suicida
luto contra moinhos, tempestades e solidão
que é tudo.


Escondo-me nesta armadura de ossos,
carne
e vestimentas
e espio a vastidão do mundo pelos buracos dos olhos
como quem espia lugares estranhos
infinitos
perigosos.

Meu corpo é a única coisa que tenho
para carregar o pretexto da alma.
É magro, feio e escandaloso
o corpo
mas é única coisa que tenho
para caminhar pelo tempo e pelos sertões.

Garantia não tenho
se o meu corpo é forte e frágil ao mesmo instante
se sujeito-me ao abismo
ao chão
à poeira
se estou marcado para me tornar saudade
lembrança
e fotografias
e minha história não terá mais
um cavalo para montar
e serei uma estátua invisível no espaço.


Garantia não tenho
de nada
nada
não levarei escondido no bolso
nenhuma semente
nenhum suspiro
nenhum gesto
pois tudo é podre
condenável
consumível.

Só é garantido o mais difícil:
a miragem na imensidão
o que se supõe ao longe
o completo mistério
para se chegar até lá
não se sabe com que corpo
não se sabe com que asas
não se sabe.

(do livro “Poesia provisória”)

10 comentários:

Adrianna Coelho disse...


lindíssimo, nirton!

"não se sabe com que corpo
não se sabe com que asas
não se sabe"


eu sei que vc chega a mim com poesia.
chega, sim!

armadura - esse título tbm faz com que o poema tenha peso...

lindo, lindo
e emocionante!

LIVRE disse...

Voce tambem tem um "Q" de livre.
Simplesmente chega.
beijos

Nirton Venancio disse...

Adrianna,
se eu chego até você com poesia, valeu a pena que escreveu o poema...

beijo.

Nirton Venancio disse...

liberdade atraindo liberdade, Karla.
Por isso a gente se encontra.

beijo.

J.F. de Souza disse...

Assim, de leve, me fez lembrar de um poema gigantesco que eu havia escrito faz tempo: "Decidi caminhar (As areias)"

1[]!

Nirton Venancio disse...

As inquietações dos poetas muitas vezes se cruzam, caro J.F. E até se cumprimentam pelo caminho.
"Armadura" se prende numa narrativa poética enquanto "As areias" tem uma estrutura que evoca elementos da parábola. Ambos os textos, inquietos - como deve ser o olhar do poeta.
"Armadura" tem mais de vinte anos, e ganhou um prêmio num concurso da Scortecci Editora.

Cosmunicando disse...

simplesmente maravilhoso seu poema.
abraço

J.F. de Souza disse...

Legal saber disso, caro Nirton! =)

1[]!

Adeilton Lima disse...

Muito bom, Nirton! Abraço!

RUBENS GUILHERME PESENTI disse...

Belo poema, Nirtão! bacana sua ligação ao texto sobre woody allen no face!
em corpo incorporado!

grande abraço.