quarta-feira, 30 de maio de 2007

lembrança

foto Kiko Shirobayaski


Lembro-me que te olhava
e estavas nua
e não havia por perto
nem roupas
nem sombras
que te levassem de volta à sala.




Ficamos únicos
como uma lembrança
do mesmo quarto
dentro de nós.



(do livro “Poesia provisória”)

sábado, 19 de maio de 2007

quimera

foto Hugo Dias


O anel que eu tinha nos dedos
era vidro e se quebrou.
O amor que eu queria na vida
era nunca e quase me acabou.


(do livro "Roteiro dos pássaros - remixado")

sexta-feira, 11 de maio de 2007

profano

foto Marcus Claesson

Ameaçam-me atear fogo
às vestes e às paixões
se eu não calo o canto
se eu não sigo as setas
se eu não cesso os beijos

isso
quando mais ardem
fora e dentro de mim

as vestes e as paixões.

(do livro “Roteiro dos pássaros – remixado”)

quinta-feira, 10 de maio de 2007

sobre viver

nanquim sobre papel, de Gil Vicente


só escaparemos se conversarmos
se sentarmos
à mesma mesa
e trocarmos olhares
como amigos
ou como sobreviventes.

(do livro “A paisagem e a distância”)

quarta-feira, 2 de maio de 2007

o morto

Repouso, nanquim sobre papel, de Gil Vicente


I
O morto
tomou destino ignorado:

em que planície nos céus
sibila o seu silêncio?

Com sua armadura desfeita
o que resta é inútil:
não suporta o vento
(que sopra com a chuva)
não será restaurado nos museus
(que espiam a história)
nem se moverá com as lembranças
(que amontoam os retratos).

O morto
tomou destino ignorado.

II
Não tenham medo:
o morto não se levantará
de sua solene posição

deitado como nunca
com seu nariz e seu sapato
em
riste.


III
O morto
(saibam)
não segue no cortejo:
segue um morto
(peso inútil)
que o limite do nosso olho vê.

IV
O morto independe da vontade
dos que lhe jogam areia e flores
dos que lhe dizem orações e calam
dos que choram e esquecem
- o morto
agora
é eterno.

V
Lembramos o tamanho do morto
com suas roupas
com sua voz
com sua dor
e choramos o tamanho que falta
a lágrima que salta
em nós
até quando aprendermos
a não ser somente vivos.

(do livro “Poesia provisória”)