segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

trem da memória (fragmento)


Ah, personagens desse mundo lá de trás,
imaginavam vocês
que
eu, mais do que olhava,
via
fotograficamente
todos
e
tudo isso?


Imaginavam vocês
que minha presença pequena
espionava
todos os rostos
todos os gestos
todos os passos
para
me contar tudo no futuro?

imaginavam vocês
(que
atravessavam corredores
atravessavam ruas
atravessavam dias
e
gargalhavam nas salas
se divertiam nas praças
choravam nos quartos
se entristeciam pela cidade
e
narravam proezas
escondiam verdades
e
calavam)
imaginavam vocês
que
eu tivesse olhos
ouvidos
e chinelos silenciosos
na espreita das portas
e das esquinas?


Hã, imaginavam?


Agora, eu lhes digo
(aos mortos e aos que restaram):
eu sei de tudo.



(Do livro “Trem da memória – um poema”)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

metade

foto Bogdar Jarocki

O que se vê em mim
não é o todo:
escondo gestos.
O que se sabe de mim
(ainda) não é tudo:
escondo datas
Metade que nem eu mesmo sei
mais corrói do que vive e cresce:
e silenciosamente é uma doença
(e não me esquece).

Convivo como caça e caçador
dentro de mim:
uma hora me acho
a outra não me aceita
e sou metade do rosto desenhada
a outra metade desfeita
.



(do livro “Poesia provisória")