terça-feira, 16 de maio de 2017

paráfrase

O domingo me deixa a casa deserta quando atravessa a segunda e não olha pro sábado.

metade

O que se vê em mim
não é o todo:
escondo gestos.
O que se sabe de mim
(ainda) não é tudo:
escondo datas
Metade que nem eu mesmo sei
mais corrói do que vive e cresce:
e silenciosamente é uma doença
(e não me esquece).

Convivo como caça e caçador
dentro de mim:
uma hora me acho
a outra não me aceita
e sou metade do rosto desenhada
a outra metade desfeita.

sábado, 6 de maio de 2017

nostalgia

A saudade nos parte em dois...

quinta-feira, 16 de março de 2017

infância

A infância me levou ao cinema numa tarde no interior.

O cinema me levou a um tempo próximo e distante da fantasia, da idealização inquebrantável que as crianças fazem de um mundo perfeito.

Crescer tem o inconveniente do mundo ficar muito palpável. O dia é irreversível.  A esperança necessita de muito esforço.

O cinema me levou à infância numa tarde do interior. Não encontrei o caminho de volta para casa.

segunda-feira, 13 de março de 2017

colheita



"todo peito
é um roçado
para toda safra
ser das rosas."

Do meu poema Galope, livro Roteiro dos pássaros, 1981 

sexta-feira, 10 de março de 2017

a quem interessar possa

À época, a tiragem foi de 1000 exemplares. Não sei quantos vendidos na noite de lançamento, não me lembro quantos ficaram comigo e doei todos para amigos, não tenho ideia de quantos deixei nas livrarias em consignação, uma quantidade ficou com a Fundação Lourenço Filho, em Fortaleza, que patrocinou a publicação como prêmio do concurso... e um exemplar guardo como troféu na minha estante real.
Agora o site Estante Virtual tem um único exemplar disponível a preço de raridade.
A poesia é gratificante por isso, e expressa exatamente aquilo que não permito que me empreendam: o recolhimento do meu voo, a desfaçatez de dizerem que o Ícaro em que acredito não pode seguir viagem.

domingo, 5 de março de 2017

a poesia

foto B. Berenika, 2012

Para que serve a poesia? Para expressar exatamente aquilo que não permito que me empreendam: o recolhimento do meu voo, a desfaçatez de dizerem que o Ícaro em que acredito não pode seguir viagem.

chuva


Chove muito lá fora na cidade onde estou. 

Chove muito em mim na saudade onde sou.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

parafraseando Drummond

Quando nasci, um anjo invocado
desses que vivem nos sertões
disse: Vai, Nirton! ser artista na vida.

...

Eu não devia te dizer
mas esse calor
mas essa poesia
botam a gente desprovido como sempre!


segunda-feira, 25 de julho de 2016

escrever e amanhecer

Escrever é se expor muito. Escrever é se expor até quando se esconde, quando se disfarçam em sinônimos feitos e defeitos. Escrever é um perigo. Escrever é uma traição. Escrever é ficar nu em plena praça. Escrever é se encontrar e se perder na mesma via de contramão. Escrever é desenhar símbolos que o cérebro comanda. Escrever é um ato neurológico, mesmo quando levado pela correnteza do coração. Escrever é auscultar sentimentos. Escrever é morrer um pouco e amanhecer na leitura.

domingo, 10 de julho de 2016

ganhando a vida em um domingo

foto Rosângela Fialho

Caminhando certa vez em um domingo chuvoso pela deserta W3 Sul, em Brasília, encontro-me com o poeta Arthur Rimbaud... ele me parou com aquele olhar de absinto e me disse os primeiros versos do poema Canção da mais alta torre, soando lentamente como uma advertência: "por delicadeza / perdi minha vida...". E saiu.

Quando me virei, vi que ainda mancava de seu problema no joelho direito. Sumiu por uma daquelas entradas de uma banca de jornal no meio da quadra.

Ainda extasiado com esse encontro, volto a andar e logo me deparo com Che Guevara acendendo o charuto sob a chuva... Olhou-me com aquele olhar da foto de Alberto Korda, soltou uma baforada no meu rosto, que achei ótimo, e disse: "o poeta ali tem razão, camarada... mas é preciso endurecer, sem perder a ternura...", e continuou andando. Viro-me e alguns passos depois ele para, me olha fixamente, e completa, erguendo o charuto: "jamais!".

Ganhei o domingo. Eu que andava como no filme de Jean-Claude Brialy, Os indiscretos pingos de chuva, me vi Gene Kelly em Cantando na chuva.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

lua crescente

foto Nirton Venancio

lua crescente
o escuro cresce
a estrela sente

Paulo Leminski


sábado, 9 de abril de 2016

Minas Mariana


Esse teu nariz aquilino que aponta um poema de Drummond...
Esse perfil de um sorriso que se guarda e se aguarda...
Essa tua máscara infantil que guarda tua tarde mulher...
Esse teu sono estático que guarda um sonho...
Esse teu olhar atlântico nas montanhas de Minas...

para Mariana Botelho

segunda-feira, 28 de março de 2016

parafraseando Drummond

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Nirton! ser gauche na vida.
...

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas essa poesia
botam a gente comovido como o Carlos.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

cerco


Não tenho 

como escapar 
com o corpo 
cardiologicamente 
sitiado...

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

tu

Nenhum
aplauso na festa 
é laço.
Troco
pelo nó
do teu abraço.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

prontuário


Coração mole

em pedra dura
tanto sofre
até que cura.

sábado, 5 de dezembro de 2015

distenção


Com a saudade 

todo
corpo 
é
coração.

n


Com saudade
o logo 
é
sempre 
longo.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

safira

Daqui
em mim
ouço
o Santuário Dom Bosco:

os
sinos
dobram
azuis.