sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

quem


Não foi o deus do alto da matriz

quem deu asas à minha imaginação
nem foi o padre bomfim
(com sua mão branca de pelos escuros
que me obrigavam a beijar
quando ele apontava no começo da rua)
muito menos o padre irismar
(com seu rosto largo de pele vermelha
que me abrigava o olhar
quando desapontava no fim da rua)
não foram eles
a quem nunca deixei meus pecados
atravessarem as treliças do confessionário:
os seios
das tias de perto
que o menino via
refletidos no espelho do provador
as coxas
das cutruvias de longe
que o menino ouvia
espelhadas no reflexo dos homens
(mentia que a culpa-minha-máxima-culpa
era ter mentido
para a avó
- três padres-nossos deles
- três ave-marias minhas
:
ato de contrição cabisbaixo
genuflexo
postulado
em frente aos gessos santificados)
não, não foram eles
seres comuns de batinas pretas
reles atravessadores de minha fé
não foram
foram as mãos dadas com drummond
as folhas finas da seleções
as curiosidades do capivarol
foram as fitas do cine poty
as canções da radiadora
a hora do brasil nas válvulas do abc
foram as notícias do tio da capital
as conversas na calçada alta
os trancosos da prima gorda
foi o olhar sem fim de tanto imaginar
que me deu asas
sobre
os telhados
os algodões
as carnaúbas
e me fez ver o mar.
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Trecho do meu livro inédito Trem da memória - um poema
Editora Radiadora
Coordenação editorial
Alan Mendonça
Prefácio
Valdi Ferreira Lima
Lançamento adiado desde março. Aguardando quando for possível a aglomeração de afetos.
foto ilustrativa para esta postagem: Daniella Puente.

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