sexta-feira, 4 de junho de 2021

a viagem de volta


No final da manhã de 4 de junho de 1939, o navio alemão MS St. Louis com 937 refugiados judeus alemães aproximava-se do porto em Florida, Estados Unidos. A embarcação, sob o comando do capitão Gustav Schröder, partira de Hamburgo no dia 13 de maio com destino a Havana, Cuba, onde faria escala, pois os passageiros estavam em lista de espera oficial para a obtenção dos vistos de entrada em terras norte-americanas. Os refugiados sequer desceram. O governo de Federico Laredo Brú, do Partido União Nacional, mudou de ideia na última hora e ordenou que partissem.

Na costa da Florida, o St. Louis foi recebido com tiros, disparados como advertência para voltarem. O presidente Franklin D. Roosevelt, do Partido Democrata, impediu, argumentando que os passageiros não podiam desembarcar com vistos de turistas, pois não tinham endereço de retorno. A Lei de Imigração de 1924 restringia o número de imigrantes do leste e sul da Europa. Ou seja, não previa a entrada de refugiados. Ou seja mais ainda, a burocracia draconiana acima de decisões humanitárias. O capitão Schröder tentou convencer o primeiro-ministro canadense, já que estavam a apenas dois dias daquele país, mas foi igualmente hostil com os exilados. E na lista de passageiros, nomes das mais variadas classes sociais, famílias pobres, comerciantes, advogados, professores, e até uma condessa, Denise Kreisler. Há relatos de um militar desertor do exército nazista nos porões. Todos fugindo das garras de Hitler.
Seguindo de volta à Europa, o St. Louis tomou rumo incerto à procura de países que pudessem aceitar os refugiados. Depois de muita negociação por quinze dias, com grandes dificuldades de comunicação por rádios transmissores nas águas agitadas do Atlântico, o navio aportou na Bélgica, Reino Unido, Países Baixos e França, distribuindo os passageiros. No decorrer da Guerra e invasões das tropas nazistas em alguns desses países, 227 dos refugiados foram presos e assassinados nos campos de concentração de Auschwitz e Sobibor, no que Hitler se vangloriava como “solução final” para a pureza da raça ariana. Os que conseguiram escapar serviram de testemunhas, relatando nas décadas seguintes as expectativas dentro do navio e os dias de insegurança pela sobrevivência escondendo-se dos algozes.
Em 1974 o jornalista Gordon Thomas e o produtor de televisão Max Morgan-Witts, ingleses, publicaram Voyage of the damned, depois de longas pesquisas sobre o fato, possivelmente o livro que mais aprofunda o que aconteceu naquela viagem do St. Louis, e os desdobramentos trágicos na volta ao continente europeu. Há outro, que ainda não li, The saddest ship sfloat": The tragedy of the MS St. Louis, da jornalista canadense Allison Lawlor, lançado em 2016.
A publicação de Thomas e Morgan-Witts serviu de base para o roteiro de A viagem dos condenados (Voyage of the damned), produção britânica de 1976, dirigida pelo norte-americano Stuart Rosemberg, com elenco de peso, Max Von Sydow, Faye Dunaway, Orson Welles, James Mason, Oskar Werner, Malcolm McDowell, Ben Gazzara , Fernando Rey, José Ferrer.
..............................................................................................................

O texto faz parte do meu livro ©Crônicas do Olhar, Editora Radiadora.
Na foto ilustrativa para esta postagem, do acervo da SZ Photo, Munique, o momento da chegada do St. Louis em Antuérpia, Bélgica, 21 de junho de 1939.

Nenhum comentário: