terça-feira, 9 de julho de 2024

o trem chega a Quixadá


 “Fortaleza seria logo ali

depois da bica do Ipu
passando o arco de Sobral
chegando nas bananeiras de Caucaia”

- Trecho do meu livro Trem da memória (Editora Radiadora, 2022)
Quando menino, eu viajava de trem de Cratéus para Fortaleza e pela janela media o tempo de chegada por essas três cidades dos versos.
Banhava meu olhar nas águas da cachoeira de Ipu, abençoava meu coração no Arco de Nossa Senhora de Fátima e pegava com o tato das retinas a fruta nos cachos que quase batiam no trem: estava perto de chegar e ver o mar.
Mas sempre viajei de ida e volta um pouco frustrado porque o comboio de madeira, fumaça e canção metálica café-com-pão-leite-não não passava por Quixadá, no sertão central distante do chão oeste de Crateús. Eu queria muito ver a Pedra da Galinha Choca, formação rochosa esculpida pelo tempo em formato da ave, ali pronta para bicar quem se aproximasse do seu ninho sobre os ovos de pedrinhas, assim eu imaginava.
Os versos sobre a cidade onde o trem não passava ficaram ocultos num vagão dentro de mim. Fui desembarcá-los muito tempo e estações depois quando passei a dar aula na Escola de Cinema do Sertão, projeto inovador da Secretaria de Cultura do município.
A Galinha estava lá, impávida na imensidão de seu quintal, monumental no seu silêncio secular de monólito. Ali, sólida e maternal cuidando e aquecendo os ovos postos para a continuidade de suas crias. Além, solene com sua crina e bico em riste para o céu, a inspirar um verso e o poeta seguir outra viagem.
Um exemplar do meu livro chegou hoje ao endereço de minha amiga Railane, uma de minhas alunas de roteiro na Escola. Chegou como se o trem pretérito desviasse os trilhos entre Ipu e Sobral e no afeto de sua leitura presente passasse por Quixadá.
Grato, Railane, pelo aceno na estação.

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