O título desta postagem é uma fala da peça Deserto, baseada nas memórias e em fragmentos de diferentes obras de Roberto Bolaños (1953-2003). Apresentada recentemente no Festival de Teatro Cena Contemporânea, em Brasília, o monólogo na interpretação visceral e comovente de Renato Livera, aborda os últimos anos de vida do escritor chileno, diagnosticado com uma doença hepática crônica.
Clássico da ficção científica, conta a história de uma tripulação espacial que depois de muito tempo hibernada na nave, pousa em um planeta parecido com a Terra, dominado por uma civilização de macacos, já no adiantado e inimaginável ano 3900. O planeta é a própria Terra, sem vestígios de seres humanos, e numa curiosa inversão, tem os símios como seres inteligentes, poderosos e bélicos.
Charlton Heston interpreta o astronauta George Taylor, sobrevivente que enfrenta a raça dos macacos falantes em busca de respostas para aquilo tudo. Heston, que já tinha sido salvador da humanidade como Moisés em Os dez mandamentos, o lendário herói espanhol em El Cid, o judeu libertário em Ben Hur, não foi à toa que a Century Fox o escalou para mais um papel de Messias-reloaded.
Depois de muito embate com os macacos, Taylor em uma fuga que extasiava a plateia, em desesperado galope à beira-mar, dá de cara com a Estátua da Liberdade, afundada parcialmente na areia, a tocha apagada em suspiro final. Uma das imagens mais impactantes da história do cinema.
O personagem ajoelha-se e sucumbe à dor. A cena resume toda a certeza que a humanidade estava ali disseminada, coagulada na mais grave desesperança. Hollywood, como fábrica mágica de sonhos e pesadelos, elipsou o apocalipse em uma cena extremamente simbólica, não somente por sabermos da cidade de New York sumida do mapa, mas de toda a população da Terra literalmente enterrada com a estátua presenteada pela França.
Naquela noite ao sair do teatro, a realidade lá fora anunciava Donald Trump como 47º presidente eleito dos Estados Unidos.
Enquanto andava sob uns discretos pingos de chuva deste novembro brasiliense, um trecho da fala de um personagem do livro O gênio e a deusa (1955), do visionário Aldous Huxley, juntou-se às minhas reflexões, perplexidades e temores, no entrelaçado encontro da peça, do filme e da realidade: “O mal da ficção é que ela faz sentido demais. Em seu estado bruto, a existência é sempre um infernal emaranhado de coisas”.
Parece que assim caminha a humanidade naquela praia em direção à liberdade, que é uma estátua.
Nenhum comentário:
Postar um comentário