Eu podia ver o circo da janela do terceiro andar. Ali defronte, no terreno por onde os cachorros circulavam. Nunca desci nas tardes de sábado e manhãs de domingo para assistir a uma das sessões anunciadas no serviço de som que arranhava os ouvidos. Não porque era um circo pequeno: o que eu gostava mesmo era ver o circo da janela do terceiro andar.
Um dia começaram a desmontar o circo. Foi quando me lembrei que dias antes anunciaram a última semana com atrações imperdíveis. Desmontavam o circo e desfaziam-se também minhas chances de assistir alguma apresentação se eu mudasse de idéia e descesse as escadas rumo à bilheteria. Da janela acompanhei por quase o dia todo o circo se resumindo a uns poucos caminhões velhos amontoados de tábuas, lonas, grades... e pessoas sonâmbulas sob o sol de segunda-feira.
Minhas tardes passaram a ser mais solitárias no retângulo da janela: não me importava o espetáculo, o que depois aconteceria à noite no picadeiro: o que me segurava os olhos era a vida ao redor da lona suspensa. Eram os artistas sem suas roupas de artistas, as pessoas comuns vivendo na temporalidade dos trailers, no improviso dos lares. Eram os animais tornados comuns na pouca extensão das jaulas. O melhor era aquele espetáculo, que me extasiava e incomodava, visto do meu camarote especial da janela do terceiro andar, tão longe e tão perto.
O circo foi embora e o melhor poderia ter sido mesmo partir: viajar sem ter um passado nos álbuns, ou um futuro agendado. Viajar tendo sempre só o presente que dura algumas semanas, poucas vezes uns meses, nunca muitos anos. Viajar na busca eterna do presente.
As estacas não criam raízes no chão da cidade.
Um dia começaram a desmontar o circo. Foi quando me lembrei que dias antes anunciaram a última semana com atrações imperdíveis. Desmontavam o circo e desfaziam-se também minhas chances de assistir alguma apresentação se eu mudasse de idéia e descesse as escadas rumo à bilheteria. Da janela acompanhei por quase o dia todo o circo se resumindo a uns poucos caminhões velhos amontoados de tábuas, lonas, grades... e pessoas sonâmbulas sob o sol de segunda-feira.
Minhas tardes passaram a ser mais solitárias no retângulo da janela: não me importava o espetáculo, o que depois aconteceria à noite no picadeiro: o que me segurava os olhos era a vida ao redor da lona suspensa. Eram os artistas sem suas roupas de artistas, as pessoas comuns vivendo na temporalidade dos trailers, no improviso dos lares. Eram os animais tornados comuns na pouca extensão das jaulas. O melhor era aquele espetáculo, que me extasiava e incomodava, visto do meu camarote especial da janela do terceiro andar, tão longe e tão perto.
O circo foi embora e o melhor poderia ter sido mesmo partir: viajar sem ter um passado nos álbuns, ou um futuro agendado. Viajar tendo sempre só o presente que dura algumas semanas, poucas vezes uns meses, nunca muitos anos. Viajar na busca eterna do presente.
As estacas não criam raízes no chão da cidade.
(do livro "Outras prosas")
8 comentários:
As raízes são sentimentos guardados em nosso íntimo... Beijinhos pra vc! :)
muito bom o Desmontando as Tardes!
é uma prosa cheia de poesia
não tem mais outras prosas por ai?
Meu caro, este conto jamais deixou a minha memória. Os anos vão passar e ele permanecerá dentro de mim.
p.s: o projeto ainda está de pé?
hábraços
meu caro Cláudio,
o projeto do roteiro a partir de um conto seu também não deixou a minha memória. Porém outros roteiros permanecem ocupando meu tempo. Mas chego lá em você.
O circo é o símbolo do nomadismo, que por sua vez é um símbolo quase perfeito para indicar a inconstância da realidade...Assim como os ciganos(que não têm morada fixa), acho o circo, que não "finca" raízes, em lugar algum, uma bela forma de viver o dia-a-dia.
E a memória do menino preservou essa idéia: "não possuir futuro agendado".
Gostei, Nirton.
Beijos.
Dora
Nana, Rubens, Cláudio, Dora, valeu o carinho de vocês ao meu lado na janela...
o final do desmontando as tardes me lembra Guimarães Rosa, quando responde ao ser perguntado sobre quando vai escrever sobre a cidade:
"quando sentir saudade dela"
o final do desmontando as tardes me lembra Guimarães Rosa, quando responde ao ser perguntado sobre quando vai escrever sobre a cidade:
"quando sentir saudade dela"
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