domingo, 10 de outubro de 2021

o olhar de Martine

 

foto Alan Mendonça

Nirton Venancio, a sua poesia provisória

Explorar as tardes, recomenda o poeta
mas o poema tem espírito de contradição
diz não ao ponto que enclausura
à maiúscula que atrofia
e sim ao que lhe convém,
silêncios e pontos quando pontes
o poema coa versos
tricota o tempo
eco enviesado do poeta transitório contraventor de setas
o poema se põe em pé
plumas entre veias e nervos
faz o ninho na retina
bica o corpo-semente
fura o crânio do poeta, barril de sonhos, pipas sem fios, desbussolados
o poema espera nas dobras da pele
do outro lado da rua
no lusco-fusco
ele é águas-claras na soleira da noite
o poema espia
desnuda
da sola dos passos ao crespo do cabelo
o poema faz o poeta
levanta veredas verticais
mastiga seu hálito.
É preciso reconstruir as nuvens
o poeta não cabe no tempo
de ruas, ofícios e calendários
ele anda entre as nuvens
e de cima
acalenta as rugas dos homens
olha o planeta pela luneta
e diz
vermelho-sangue
a poesia é urgente
ele sacode a poeira de galáxias
quer a mão quer o lábio
a virilha e o ombro
a solidão da gente
soltar o cheiro do silêncio
a carne do grito e a tarde que cai.
O poeta quer o futuro de seu coração sitiado
sabe que partir é se partir
partir é ficar no cais
mas o vento acaricia a pedra
a nuvem se move
e o poema passa levado pela correnteza
o poeta no seu encalço
ele fala de afeto e de volta, de temporais e amanheceres, de asas e de nó
leva seu coração entre as mãos
oferece
estranha eucaristia
um lençol de carne viva
seu corpo vaza outro
o infinito é aqui
o eterno é pra já
a pressa dos amantes estorva a marcha do tempo
os ponteiros caíram
na página em branco
inúteis.
- Martine Kunz
Em seu livro Cherrizinho, Armazem da Cultura, 2014, a escritora Martine Kunz, uma francesa-cearense desde 1979, faz um belíssimo relato sobre o olhar de seu coração no encontro com uma cidade, Fortaleza, que a esperava para acolhê-la de mares abertos, e o amor para sempre, o jornalista Claudio Pereira, que a aguardava para nele morar de braços abertos.
A narrativa é de uma beleza poética cativante. E tem a escrita de um roteiro cinematográfico digno de validação pelo mestre Jean-Claude Carrière, seu compatriota.
A certa altura do livro, na página 65, numa das tantas belezas de suas descrições, ela diz que "Não é a luz que torna visíveis as coisas, mas o olhar sobre elas." E aqui extraio esse todo verso no meio da prosa para agradecer o que ela escreveu na verticalização-mergulho de um poema sobre o meu livro Poesia provisória, Editora Radiadora, 2019.
Meu coração abraça o seu, Martine: a luz de seu olhar permanente sobre minha poesia provisória.

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