domingo, 6 de novembro de 2005

hábito

foto Alberto Monteiro

I
As horas cortam o pulso
friamente
e (ainda) não aprendemos a estancar
o sangue
que de tanto correr
transborda os dias.

II
Sobre a pele solitária e nua
o tempo se estende
(sem encalço)
a caminho das rugas
e é preciso (agora!)
o gosto eterno
de cada instante
na porosidade dos lábios.

III
O que se passa lá fora
(bem adiante do nariz)
é tudo que se pode pegar
apesar das mãos tão curtas
e do coração aflito.

IV
De espanto já é feita
nossa roupa
caída
sobre
os
ombros:
nos cabe este grito
e este jeito (quase) suicida
de
atravessar a escuridão quando
abrimos os olhos.

V
As ruas estão marcadas
com o calor dos sapatos
e (nelas)
circundam os homens
que perderam nos dedos
a idade
e trazem no peito
uma história
e a distância das ilhas.
VI
Todos acumulam conversas
com seus botões
agarram-se aos olhares
na solidão disfarçada sobre o tráfego
e (entre os habitantes)
a tarde
cai
como quem de cansaço adormece
ao longe.

VII
Mas o hábito
de viver
reconstrói as nuvens
e ergue as cidades.

(do livro “Poesia provisória”)

2 comentários:

Kimu disse...

O tempo (des)contrói tudo. Um beijo.

Claudio Eugenio Luz disse...

Todos acumulam conversas
com seus botões - bela passagem!O tempo é caro para mim,meu amigo. Sempre as horas, os dias... Continuamos tecendo hábitos, reconstruindo nuvens e erguendo cidades; nossa teimosia.

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hábraços