segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

em Minas com o poeta



 

Em 23 de dezembro 2012 eu estava em Araxá, interior de Minas Gerais, quando li a notícia da morte do poeta alagoano Lêdo Ivo, aos 88 anos. Ousei um trocadilho infame desejando que fosse um ledo engano. E saí para andar e fotografar pelo verde da Estância do Barreiro, nas redondezas do Grande Hotel Termas.

Na caminhada silenciosa pela mata me deparei com as ruínas do Hotel Rádio. Na década de 1930 o prédio sofreu um incêndio. Consta que uma hóspede, em lua de mel, depois de encontrar o marido com a camareira, indignada e enfurecida, suicidou-se tocando fogo no quarto. Com a repercussão negativa, o hotel perdeu clientela e encerrou as atividades. O local voltou tempos depois como uma clínica de reabilitação e em 1960 definitivamente abandonado.
A vegetação tomou conta de todo o hotel. Raízes e troncos serpenteando nos corredores, alcançando as paredes, ocupando os quartos. Passei pela recepção, subi sob riscos para achar o local onde o fogo começara. O silêncio do tempo em volume reflexivo.
Desci e fiquei a admirar e fotografar a estranha beleza mumificada em verde que se renovava no orvalho de cada manhã.
Numa holografia da imaginação, vi os hóspedes que chegavam e saíam; o porteiro sorridente que dava passagem; o rapaz atencioso que carregava malas; o marido adúltero com o olhar oblíquo; a camareira enaltecida que disfarçava; a esposa traída riscando o fósforo.
Depois de fotografar alguns ângulos das ruínas, lembrei de um poema-prosa de Lêdo Ivo, A escada, publicado no livro Mar Oceano. Os versos analógicos tracejavam na minha cabeça como legenda para a foto digital. De volta ao quarto no Termas, procurei na Internet o poema. Cabia como epígrafe para minha visita ao fogo passional do passado, aos cômodos retorcidos do presente:
“Desde o início aboli a possibilidade de estar sendo conduzido para o Inferno ou o Paraíso, essas fictícias paragens finais que, não pertencendo à geografia terrestre, não se incluem entre os sítios prometidos aos meus passos futuros.”
Lêdo Ivo me acompanhou naquele dia. E não foi engano.

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