domingo, 22 de dezembro de 2024

Joe e a tempestade


No começo de 1969 o cantor e compositor Joe Cocker e sua The Grease Band viajaram da Inglaterra para os Estados Unidos para divulgar o primeiro disco lançado. Com a repercussão nos circuitos de pequenos festivais, de imediato o produtor Artie Kornfeld o convidou para o Woodstock Music & Art Fair, de 15 a 18 de agosto daquele ano, na região de uma distante e extensa fazenda de gado leiteiro, na cidade de Bethel, estado de Nova York.
Agendou a apresentação de Cocker para o último dia, um domingo como hoje, abrindo a programação, que fecharia com Jimi Hendrix, o maior cachê do evento, 18.000 dólares. O cantor inglês e sua banda receberam 1.375.
Joe Cocker começou seu repertório cantando faixas do disco e alguns covers de Bob Dylan, Pete Dello e Ray Charles. A plateia aplaudia sem muito entusiasmo, ainda ressacada do dia e noite anteriores, que teve Janis Joplin, Creedence Clearwater Revival, Santana, Jefferson Airplane...
Sempre que leio sobre isso e o revejo no filme Woodstock, imagino que deve ter pensado: “É hora de mudar isso”, antes de falar sobre a próxima e última música do setlist de 13: With a little help from my friends, composta por John Lennon e Paul McCartney, do álbum dos Beatles de 1967, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, na voz de Ringo Star.
“Simplesmente alucinante, transformou totalmente em um hino do soul, fiquei eternamente grato a ele”, disse Paul ao ouvir a gravação no disco, que tem a guitarra e arranjo de Jimmy Page.
A apresentação naquela tarde no palco do Woodstock foi ainda mais alucinante. Durante oito minutos Joe Cocker magnetizou a multidão com sua voz gutural, seus movimentos espasmódicos, sua performance energética. A personalíssima versão da canção superou a de Richie Havens, que abriu o Festival dois dias antes, e vestindo uma longa bata alaranjada, cantou só com violão e sentado num banquinho.
Ao final Cocker agradeceu ao público extasiado e retirou-se. Não houve tempo de gritarem por sua volta. Uma grande tempestade começou nos contornos da fazenda. Em poucos minutos ventos fortes trouxeram muita chuva, inundando e encharcando de lama o chão de Woodstock. Os céus, como em reverência, estavam só aguardando Joe terminar. Ninguém se feriu, as enormes torres de iluminação oscilaram e resistiram, muitos curtiram, outros, compreensivelmente assustados, foram embora.
A partir daquele dia Joe Cocker não parou. Gravou quase 30 discos e fez shows pelo mundo todo. Esteve no Brasil em 1977, em 1991 no Rock in Rio, 2012 em Sâo Paulo, Rio, Belo Horizonte e Porto Alegre. Sempre magnetizante vê-lo ao vivo. Com sua postura tônica no palco e sua voz grave, era doce na mesma proporção quando, em entrevistas que assisti, falava das origens das canções, da infância de família operária, e como conseguiu superar os problemas com álcool e drogas nos anos 70.
Morava com a esposa em um rancho perto de montanhas no Colorado, Estados Unidos, quando faleceu aos 70 anos na manhã de 22 de dezembro de 2014. Não resistiu à tempestade de um câncer no pulmão.
Acima, fotograma do documentário Woodstock, de Michael Wadleigh, 1970. 

Nenhum comentário: